Diálogo a três vozes (IX)
Parte Dois – Outra Voz
Já passou uma semana desde que o meu pai escreveu esta última frase. Tencionava recomeçar no dia seguinte, mas não o fez. Nem vai fazer. Não me vai contar a história dele, nem concretizar o sonho. A história morreu com ele e com os poucos amigos que a conheciam.
Morreu durante a noite, deram conta de manhã, no dia de Natal. Não estava à espera. Foi tão de repente... Entregaram-me as coisas dele e este caderno, o que eu tinha visto na véspera, estava lá. Fiquei impressionado com o que li. Não fazia ideia que ele se sentia desta forma. Gostava que os últimos dias do meu pai tivessem sido alegres e não mergulhados no sofrimento a que, involuntariamente, o condenei.
Como seria a história? Nunca li nada escrito pelo meu pai, nem sabia que ele escrevia. Pensei que só sabia fazer cálculos. Gostava que a capacidade que ele tinha para escrever fosse hereditária, mas parece que não tive sorte. Tive tantos anos para o conhecer bem e nunca o fiz. Nunca gastei algum tempo da minha vida nisso. E agora...
Tantas páginas em branco que este caderno ainda tem. Eram todas para o meu pai. Mas infelizmente, senti-me atraído a escrever nelas, para pôr um termo à história. As restantes, escreva nelas quem quiser.
E se o arrependimento matasse...
(fim)
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Com este texto que tenho vindo a postar, concorri ao Concurso Literário da Escola Secundária de Valongo (2006) - a minha antiga escola. Fiquei em segundo lugar.