(sem título)
Sozinha. Apática. Apesar do frio e das nuvens cinzentas ameaçarem chuva, lá estava, como sempre, sentada no banco de jardim cansado de muitas agonias, velho e infeliz, o banco que era o seu único pertence.
Passava ali todos os dias da sua dolorosa existência, fitando as ruas frenéticas que rodeavam aquele enclave verde no meio da grande cidade escura. Poucos reparavam nela, de tão embrenhados que iam nas suas próprias vidas, mas os que ainda viam o mundo exterior que os envolvia já se tinham habituado à sua presença. O seu olhar vazio e perdido no espaço atraía a estranheza e desconfiança dos que passavam. Ninguém sabia o seu nome, de onde vinha, o que fazia, qual a sua idade. As suas roupas sujas e rasgadas, o seu cabelo grisalho e desgrenhado, a sua pele queimada pelo Sol e enrugada pela idade eram um passaporte para o desprezo a que era votada por todos.
Era Outono. As árvores do jardim haviam perdido o pudor e tinham-se despido, deixando pelo chão o seu vestido em tons de vermelho, dourado e castanho, para ser pisado por crianças endiabradas como se de um tapete se tratasse.
Ao fundo, vinha o vendedor de castanhas assadas fazendo, com as rodas enferrujadas do carrinho, as folhas sussurrarem segredos que só aquela mulher entendia.
- Psst! Espere lá!
Comprou meia-dúzia de castanhas ainda fumegantes. Os trocos que tinha no bolso não chegavam para mais...
Era uma dos muitos sem-abrigo existentes na cidade. Dormia onde calhava, comia o que lhe davam, passava os dias no banco de jardim a pedir esmola para ir sobrevivendo ao sonho desfeito que era a sua vida.
Mergulhou nos seus pensamentos: como a empresa da qual era proprietária tinha falido, como ficou sem casa, como todos os seus amigos a abandonaram quando lhes pediu ajuda. Aqueles amigos que frequentavam a sua casa, que iam aos jantares e às festas, que a convidavam para os aniversários, recebendo sempre grandes presentes. Amigos interesseiros, que apenas tinham em vista a conta bancária e que, quando esta se reduziu a zeros, viraram as costas a quem lhes tinha dado tudo. Enfim, como tinha ido parar à maior e mais frequentada casa que já tivera: a rua.
O nevoeiro começou a envolvê-la e a adensar-se. O cheiro das castanhas assadas foi-se desvanecendo com a distância. As nuvens começaram o seu choro, lamentando-se, e a pobre mulher teve que deixar o seu banco.
Era preciso procurar um lugar para passar a noite. «Não vai ser difícil.», pensou, «É uma questão de procurar».
Foi andando – tinha que ser – ao longo do jardim até desaparecer de vista, envolta na bruma. Sozinha. Apática.
__________________________________
Originalmente, escrevi-o no 8º ano. Depois disso, sofreu algumas alterações e fiz uso dele para outros textos. Acho que foi o primeiro texto mesmo a sério que escrevi. Não me lembro de nenhum anterior.
Passava ali todos os dias da sua dolorosa existência, fitando as ruas frenéticas que rodeavam aquele enclave verde no meio da grande cidade escura. Poucos reparavam nela, de tão embrenhados que iam nas suas próprias vidas, mas os que ainda viam o mundo exterior que os envolvia já se tinham habituado à sua presença. O seu olhar vazio e perdido no espaço atraía a estranheza e desconfiança dos que passavam. Ninguém sabia o seu nome, de onde vinha, o que fazia, qual a sua idade. As suas roupas sujas e rasgadas, o seu cabelo grisalho e desgrenhado, a sua pele queimada pelo Sol e enrugada pela idade eram um passaporte para o desprezo a que era votada por todos.
Era Outono. As árvores do jardim haviam perdido o pudor e tinham-se despido, deixando pelo chão o seu vestido em tons de vermelho, dourado e castanho, para ser pisado por crianças endiabradas como se de um tapete se tratasse.
Ao fundo, vinha o vendedor de castanhas assadas fazendo, com as rodas enferrujadas do carrinho, as folhas sussurrarem segredos que só aquela mulher entendia.
- Psst! Espere lá!
Comprou meia-dúzia de castanhas ainda fumegantes. Os trocos que tinha no bolso não chegavam para mais...
Era uma dos muitos sem-abrigo existentes na cidade. Dormia onde calhava, comia o que lhe davam, passava os dias no banco de jardim a pedir esmola para ir sobrevivendo ao sonho desfeito que era a sua vida.
Mergulhou nos seus pensamentos: como a empresa da qual era proprietária tinha falido, como ficou sem casa, como todos os seus amigos a abandonaram quando lhes pediu ajuda. Aqueles amigos que frequentavam a sua casa, que iam aos jantares e às festas, que a convidavam para os aniversários, recebendo sempre grandes presentes. Amigos interesseiros, que apenas tinham em vista a conta bancária e que, quando esta se reduziu a zeros, viraram as costas a quem lhes tinha dado tudo. Enfim, como tinha ido parar à maior e mais frequentada casa que já tivera: a rua.
O nevoeiro começou a envolvê-la e a adensar-se. O cheiro das castanhas assadas foi-se desvanecendo com a distância. As nuvens começaram o seu choro, lamentando-se, e a pobre mulher teve que deixar o seu banco.
Era preciso procurar um lugar para passar a noite. «Não vai ser difícil.», pensou, «É uma questão de procurar».
Foi andando – tinha que ser – ao longo do jardim até desaparecer de vista, envolta na bruma. Sozinha. Apática.
__________________________________
Originalmente, escrevi-o no 8º ano. Depois disso, sofreu algumas alterações e fiz uso dele para outros textos. Acho que foi o primeiro texto mesmo a sério que escrevi. Não me lembro de nenhum anterior.
3 Comments:
gostei muito do texto.. acho que tem uma linguagem bastante simples e acessível, mas extremamente bem escrito, inda para mais resultante das ideias de uma menina de 8.º ano...
como estive uns dias em lisboa, a acampar com os amigos, essa descrição e o facto de tocar numa realidade bem presente, infelizmente, em lisboa, tornou-se muito real para mim...
parabens!
ps. gostei do efeito do inicio e fim do texto...
como eu adoro isto ! :) (tu sabes...)
Fénix ... muito bem adaptado :D
como eu adoro isto ! :) (tu sabes...)
Fénix ... muito bem adaptado :D
Enviar um comentário
<< Home